A população da enguia na Ria de Aveiro

Ocorrência

A enguia povoa toda a extensão da Ria de Aveiro. A enguia-vidro atravessa a laguna em direção às áreas de água doce, a enguia-amarela refugia-se nos ambientes muito propícios para aí crescer e a enguia-prateada aproxima-se da embocadura para se adaptar, de novo, ao ambiente salgado do mar e encetar a sua fuga em direção ao Mar dos Sargaços.

Figura 8 - Ocorrência da Enguia-de-vidro

Figura 8 – Ocorrência da Enguia-de-vidro

Ao longo da laguna, verifica-se a ocorrência da maior produtividade de exemplares com baixo peso (enguias de vidro e amarela) na região sul do canal de Mira, na Gafanha do Areão e no extremo norte do canal de S. Jacinto, no Carregal (Figura 8). A região da Torreira, como zona intermédia do canal lagunar de maior extensão acolhe enguias nas três fases do seu desenvolvimento (para além das duas anteriores, também a enguia-prateada), pelo que apresenta valores consideráveis e em equilíbrio entre o número de exemplares e o seu peso. Junto à embocadura da laguna, ocorrem exemplares de maiores dimensões, em fuga para o mar, com relevo no início do canal de Vagos, na Gafanha da Nazaré.

Idade e crescimento

A enguia na Ria de Aveiro apresenta um crescimento proporcionado, em comprimento e em peso, ao longo da idade (Figura 9). Durante os três primeiros anos de vida lagunar, sobretudo na fase de enguia-amarela, cresce mais em comprimento do que em peso. Nos anos seguintes, ainda a enguia-amarela mas, principalmente, a enguia-prateada, regista um crescimento mais em peso do que em comprimento. As taxas de crescimento verificadas na Ria de Aveiro são mais elevadas do que as que se verificam em latitudes setentrionais, devido às temperaturas aquáticas, aí, menos elevadas.

Figura 9 - Crescimento da Enguia

Figura 9 – Crescimento da Enguia

Contaminação por elementos tóxicos

O mercúrio é um metal pesado que poderá estar presente no leito dos meios aquáticos. Os seres vivos que o ingerem acumulam-no nos tecidos, porque o seu metabolismo não tem capacidade de o expulsar, e transmitem-no aos seus predadores. A enguia, alimentando-se de animais que, por sua vez se alimentam de outros animais e plantas, está sujeita a acumular este metal. No homem, a presença de mercúrio no seu organismo, em níveis muitíssimo excessivos, tem consequências graves na sua saúde. Em termos legais, para consumo humano um quilograma de qualquer tipo de alimento não pode conter uma concentração de mercúrio superior a 1,0 mg. De uma maneira geral, a enguia na Ria de Aveiro revelou concentrações baixas de mercúrio, mesmo na área próxima do complexo industrial de Estarreja, uma região outrora muito contaminada, onde se registou o valor mais elevado, de 0,5 mg/kg, isto é, metade do nível admitido por lei.
Em relação a outros elementos potencialmente tóxicos (arsénio, cádmio, cobalto, crómio, cobre, níquel, chumbo e selénio), as concentrações registadas foram residuais ou nulas, abaixo da capacidade de deteção dos sofisticados aparelhos de medida.

Evolução

A população da enguia tem acompanhado o declínio drástico registado a nível europeu. Em trabalhos de investigação realizadas nas últimas três décadas, regista-se uma queda significativa em número de exemplares e em peso, até atingir mínimos de 92,4% e 90,3%, respetivamente, em 2000 (Figura 10). Nos últimos doze anos verificou-se uma ligeira recuperação, de 3,6% e 6,0%, respetivamente, a acompanhar a variação positiva assinala a nível europeu. Esta inversão deve ser encarada com muita prudência, necessitando de um acompanhamento mais próximo, através de campanhas de amostragem, no mínimo, bienais. A verificar-se, contudo a confirmação de que se trata de uma tendência de crescimento sustentada, ou seja, que as ameaças ao stock estão a diminuir, possibilitando à enguia sobreviver melhor, o caminho da recuperação ainda é longo, já que a taxa de recuperação é significativamente mais débil do que a taxa de quebra no mesmo número de anos, entre 1987 e 1999.

Figura 10 - Evolução da população

Figura 10 – Evolução da população

Pesca

Acompanhando a perceção dos pescadores profissionais sobre a sua atividade nas últimas três décadas, em inquéritos a eles dirigidos, verificou-se uma quebra média de captura diária, por embarcação, entre os anos 80, do século passado, e a atualidade, de cerca de 90% (Figura 11). Os pescadores referiram que naquele tempo se pescava 30-100 kg por noite e por embarcação e que pescavam seis dias por semana. O número de embarcações na faina era muito elevado, com predominância na Torreira e na Vagueira. Atualmente a pesca é de 7-20 kg por noite e por embarcação e devido à escassez de enguia apenas pescam três noites por semana e menos embarcações.

Figura 11  - Captura média diária

Figura 11 – Captura média diária

A tendência de decréscimo das capturas é confirmada pela estatística de desembarques de enguia em lota (Figura 12). Entre 2007 e 2011 registou-se uma quebra de 12,4%. Apesar deste valor se encontrar subavaliado pela venda direta efetuada pelos profissionais, sobretudo a restaurantes de proximidade e a particulares, dá uma indicação sobre uma tendência de diminuição da atividade, que já fora confirmada pelas entrevistas referidas.

Figura 11 - Desembarques em lota

Figura 11 – Desembarques em lota